Revisitando memes: Merenda escolar é hábito alimentar

Bela Gil — vulgo, eu mesma — e memes se tornaram sinônimos durante um período e nunca me incomodei com isso, pelo contrário, acho uma forma divertida de difundir assuntos e conhecimentos sérios e fundamentais para uma mudança profunda na nossa sociedade. É claro que as redes sociais são um canal direto e aberto para se comunicar com todos os tipos de público. Os que se conectam e se identificam com a nossa percepção de mundo, e outros que se conectam pela raiva construída por falta de conhecimento, falta de oportunidade, inveja ou puramente desejo de incomodar o próximo, já que o anonimato traz um certo tipo de proteção.

Hoje resolvi revisitar um capítulo da minha vida no qual fiquei bastante impressionada e me abriu os olhos para entender o tipo de má alimentação que assola o Brasil: estrutural (prometo escrever um coluna só sobre esse assunto), e que a falta de respeito entre as pessoas era muito real. Em 21 de maio de 2015, acordei cedo para preparar o café da manhã e a lancheira da minha filha, Flor. Fiquei contente com a alegria que ela demonstrou ao ver o que eu tinha escolhido pro seu lanche da escola. Tirei uma foto da marmita, coloquei a Flor na condução e saí para gravar o Bela Cozinha, programa de culinária que tenho no canal GNT. Já no carro, no banco de trás, resolvi postar a foto da lancheira composta de banana da terra cozida, batata doce cozida e granola caseira acompanhada de uma garrafinha com água. No final do dia, quando cheguei em casa e olhei as redes sociais, percebi a confusão que a lancheira tinha causado. Tinham seguidores criticando radicalmente o nosso lanche e já outros aplaudindo.

Colocar banana da terra e batata doce na lancheira da minha filha é primeiramente importante porque ela gosta, ela saboreia, ela se conecta. Comida tem que ser gostosa, e vale mais se perguntar porque não gosta de batata doce e banana da terra do que apontar o dedo ao outro que faz essa escolha. Além do paladar, cultura também é importante quando falamos de alimentação. A batata doce e a banana da terra mostram à Flor o verdadeiro sabor da nossa terra, a faz ter como lembrança de infância um sabor natural do Brasil e não de alguma fórmula artificial fabricada em laboratório sem o menor apelo cultural ou afetivo. Também me importo com a saúde. Não considero biscoito recheado, salgadinho de pacotinho e achocolatados como alimentos nutritivos e proveitosos a serem servidos a uma criança na merenda escolar. Vale lembrar que a merenda não é uma festa de aniversário ou uma ocasião especial, é o lanche que nossos filhos comem 5 vezes por semana, é a construção de um hábito.

Por último, mas não menos importante, quando preparamos lanche com produtos mais naturais e caseiros, menos lixo é produzido. Diferente dos pacotinhos individuais de barrinhas, bolachas, salgadinhos e garrafinhas de achocolatados.

Se como pais, políticos e sociedade em geral não formos conscientes e responsáveis pela alimentação das nossas crianças, incentivando o consumo de vegetais, frutas, legumes e cereais, eles crescerão com o paladar já viciado em produtos ultraprocessados, e com isso perdemos a chance de melhorar o hábito alimentar de uma sociedade em construção.

Os valores estão invertidos na nossa sociedade. Muitas pessoas acreditam que saúde é sinônimo de mais hospitais, quando o ideal seria acreditar na promoção de uma alimentação e estilo de vida saudável para que não necessitássemos de mais hospitais. Educação não é só falar “por favor” e “obrigada” e, sim, saber fazer escolhas que afetem o mínimo possível aos outros e ao meio ambiente. Quando todos enxergarmos a alimentação saudável como um investimento e garantia de qualidade de vida, e cozinharmos pensando e respeitando a saúde do corpo, da terra e dos produtores, conseguiremos construir um futuro melhor.

Fonte: https://www.uol.com.br/ecoa/colunas/bela-gil/2020/12/16/revisitando-memes-merenda-escolar-e-habito-alimentar.htm

O direito à comida vem do (direito ao) solo

Falar sobre alimentação no Brasil e no mundo implica muita reflexão, estudo e atenção ao contexto histórico, político e social do país. Sabemos que comer é um direito que está na nossa Constituição. Com isso, o Estado recebe uma parcela de responsabilidade para com todos os brasileiros em garantir esse ato básico e fundamental para a sobrevivência de cada um de nós.

Também ouvimos muito que “comer é um ato político”. Eu mesma sou uma disseminadora desta frase importante e impactante. Porém sabemos que comer só é um ato político para aqueles que podem escolher o que comer. A oportunidade de escolha em relação ao que colocar no prato é essencial para a concretização desta linda expressão.

Poder e escolher consumir um alimento orgânico, agroecológico, proveniente de fazendas, sítios ou assentamentos locais é grandioso. É uma forma de acreditar e investir num mundo melhor, hoje e amanhã. Só que essa possibilidade não está nas mãos de todos os cidadãos brasileiros. Muitos até sabem dos benefícios dos alimentos orgânicos, mas ficam restritos a consumi-los pela falta de dinheiro ou pela falta de acesso. Acredito que o conhecimento sem o acesso, sem a oportunidade nos mantém num mesmo lugar. Portanto mudanças estruturais com foco em políticas públicas são necessárias para democratizarmos a alimentação saudável, que é inviabilizada sem uma democratização do acesso a terra. Pois, de onde vem a nossa comida?

O Brasil tem uma história de concentração fundiária bem antiga. Desde os tempos do Brasil colônia, quando uma pequena parcela da população era a única com acesso a terra por meio de doação por parte da coroa ou herança. Somente em 1850, com a lei de terras que a compra e venda de propriedades rurais foi liberada, porém pessoas sem recursos, imigrantes europeus recém-chegados e negros escravizados já libertos ficaram sem direito às terras livres. Estas foram compradas por fazendeiros que já possuíam grandes propriedades perpetuando a concentração de terras e um agronegócio baseado na monocultura, escravização e produção voltada à exportação. Sistema agroalimentar que testemunhamos até os dias de hoje.

Somos um país sem soberania nem segurança alimentar. Ou seja, nunca houve uma distribuição de terra favorável ao povo brasileiro. Nos dias atuais, 1% das propriedades rurais detém quase metade da área disponível pra cultivo no Brasil.

Quanto maior a concentração de terra, maior a concentração de investimento. Quanto maior a propriedade, mais apoio ela recebe do governo, tanto na parte da tecnologia como nos benefícios fiscais. O que facilita a perpetuação da concentração de terras, da desigualdade social e do aumento da pobreza.

Alimentação como direito começa com o direito a terra. Reforma agrária já!

 Só assim teremos soberania e segurança alimentar!

Fonte: https://www.uol.com.br/ecoa/colunas/bela-gil/2020/12/02/o-direito-a-comida-vem-do-direito-ao-solo.htm

Educação e acesso são urgentes para melhorarmos a alimentação no Brasil

Educação é um tema recorrente e sempre urgente no Brasil. Podemos falar sobre educação (ou sua falta) em diferentes áreas, como escolar, social, ambiental e muito mais. Como acredito que podemos transformar vidas e consequentemente o planeta através da alimentação, acho importante abordar o tema da educação alimentar e ecológica para a construção de seres mais humanos, mais saudáveis e integrados com a natureza. Pois é sempre bom lembrar que também podemos e devemos aprender a nos alimentar.

Falar sobre educação alimentar é sempre complexo pois abrange um espectro grande que passa por cultura, acesso, ideologias e principalmente saúde. O que é bom para um grupo, pode não ser para outro, o que é viável para uma parcela da população não é para todo mundo, o que é culturalmente aceitável em uma sociedade pode ser escandaloso para outra e por aí vai. Por isso é imprescindível entendermos o que, o quanto e para quem, quando falamos de comida.

Mas algo que estudiosos já sabem é que para nenhum corpo, cultura ou sociedade, o excesso de consumo de produtos ultraprocessados cheios de corantes, conservantes e aromatizantes, o excesso do consumo de açúcar, sal e gordura não faz bem e pode levar a doenças sérias e fatais como problemas cardíacos, diabetes, câncer e doenças respiratórias.

Sabemos também que os ultraprocessados são produtos viciantes, altamente acessíveis, palatáveis e práticos. Ou seja, um competidor com muitas “vantagens” sobre a comida de verdade que vem perdendo espaço na mesa da população brasileira. Pois fazer comida de verdade dá mais trabalho sim!

Aí entramos na educação, porque tudo que aprendermos desde cedo se torna mais fácil e mais prático. É preciso ter intimidade com a cozinha para não ter medo dela. E a pergunta é: com quem fica essa missão?

Devemos aprender a cozinhar e a comer em casa, na escola, com os programas de culinária ou nas propagandas de TV? A resposta é em todos os lugares, o que temos que prestar atenção é o que se ensina.

Educação alimentar e ecológica são duas urgências na educação do pequeno brasileiro.

Algo que no passado era mais intuitivo e mais presente na vida das crianças, hoje se tornam disciplinas necessárias para a construção de uma sociedade mais saudável.

Dentro de casa, dada as devidas oportunidades, as crianças podem e devem estar mais inseridas no ambiente da cozinha. Crescer perto do fogão faz com que o ato de cozinhar se torne mais natural e fácil de fazer. Assim como quem cresce com uma segunda língua ou nadando, não se assusta com um estrangeiro ou com o mar. Infelizmente hoje temos jovens que se sentem incapazes de fazer um arroz com feijão.

Lavar uma louça, fazer a lista do supermercado, ir à feira para conhecer e escolher os alimentos e conhecer os produtores, lavar uma alface e colocar a mesa são atitudes que podem incentivar a participação das crianças na sua própria alimentação. Crianças gostam de se sentirem capazes e assim ficam mais relaxadas e abertas a experimentarem novos sabores.

Já nas escolas, a educação alimentar e a alfabetização botânica poderiam ajudar a criar seres humanos mais saudáveis, empáticos e confortáveis com a natureza. Crianças que sabem nomear uma árvore terá mais receio de derrubá-la. Criança que cresce em um ambiente no qual beber água é tão ou mais legal que tomar refrigerante, se sentirá acolhida na sua escolha mais saudável. Da mesma maneira que a arte de dançar, interpretar, cantar, tocar e desenhar estão presentes em muitas escolas, adotar as artes mais fundamentais à vida seria essencial: cozinhar e plantar.

No entanto, temos um sistema educacional baseado no modelo industrial para formar jovens para o mercado de trabalho e não para compreender a vida. Não é do nosso interesse, como sociedade capitalista, ensinar ninguém a plantar ou a preparar o seu próprio alimento, entender dá onde vem a nossa comida e os impactos das nossas escolhas alimentares na saúde pessoal e do planeta.

Lucrativo é não querer saber como é feita a nossa comida, passar no mercado depois de 12h de trabalho e comprar uma pizza congelada para o jantar.

Educação e acesso são urgentes para melhorarmos a alimentação de todos!

Fonte: https://www.uol.com.br/ecoa/colunas/bela-gil/2020/11/25/educacao-e-acesso-sao-urgentes-para-melhorarmos-a-alimentacao-no-brasil.htm

 

Para onde vai a sua comida?

É muito interessante e importante toda a discussão que existe hoje em relação à procedência dos alimentos. Saber a origem da sua comida, quem a produziu, de qual cidade ou região veio, quantos quilômetros percorreu até chegar ao prato ou até mesmo a sua pegada de carbono são perguntas que muitos foodies fazem antes de escolher o que comer.

Acho estas perguntas e preocupações muito validas, inclusive sou uma grande defensora e incentivadora desse tipo de rastreamento. Só que depois de anos trabalhando e estudando sobre comida e sua relação com a nossa saúde e o meio ambiente, comecei a me preocupar também sobre o destino dos alimentos.

Lembro que quando ainda morava em NY e cursava a faculdade de nutrição, a compostagem já era um tema super debatido entre amigos e muitos já levavam o seu lixo orgânico para a compostagem coletiva. Quando voltei ao Brasil, em 2015, comecei a separar os resíduos orgânicos de casa e o Ciclo Orgânico uma empresa do Rio de Janeiro passava toda a semana para recolher o baldinho para compostagem. Em troca, recebia vasinhos mensais com terra adubada para plantar alguns temperinhos na cozinha e na varanda de casa.

Agora morando em São Paulo, temos uma composteira doméstica, também conhecida como minhocário onde damos conta do nosso próprio restinho de comida (talos, cascas, sementes). Pois nem com todas as receitas de produtos de limpeza do meu último livro “Simplesmente Bela” ou receitas de aproveitamento integral dos alimentos do livro “Da Raíz à Flor” seria possível dar conta.

Depois de anos pensando e fazendo compostagem direta ou indiretamente não consigo mais deixar de falar sobre este assunto que me aflige quando usamos a palavra lixo associada a comida.

O que é lixo para você? Já parou para pensar sobre a expressão “jogar fora”? Onde seria este fora?

Lixo nada mais é do que um recurso mal utilizado. E o ser humano se especializou em tornar seus recursos em resíduos e lixo. E comida jamais deveria virar lixo. Com a compostagem, deixamos de enxergar a casca de banana como lixo e sim como um resíduo que no lugar certo se tornará alimento pro solo que nos alimentará novamente com seus cultivos. O ciclo da natureza sempre fecha. Basta a gente deixar a natureza percorrer o seu caminho. Porém com a modernidade e industrialização, nos desconectamos da natureza, e por isso não enxergamos mais o seu caminho. Tiramos os recursos e resíduos do seu ciclo natural, gerando assim o lixo.

Cada brasileiro gera em torno de um quilo de lixo por dia. Cerca de 58% desse total é representado por lixo orgânico, formado de restos de alimentos (Akatu). A maior parte desse lixo vai parar nos aterros sanitários criando gás metano que é 30 vezes mais potente do que o gas carbônico em relação ao efeito estufa.

Como podemos fechar o ciclo dos alimentos?

  • compostagem doméstica
  • compostagem urbana
  • energia (transformar gás metano dos aterros em biogás, uma fonte limpa de energia)

Como colocar em prática?

  • informação
  • educação
  • boa vontade de políticos que se preocupam com esse assunto

Deixo aqui um vídeo para quem quiser aprender mais sobre compostagem doméstica. Meu filho Nino e eu podemos ajudar!

Fonte: https://www.uol.com.br/ecoa/colunas/bela-gil/2020/11/04/para-onde-vai-a-sua-comida.htm

 

O mito do azeite

O azeite é a base dos hábitos culinários e dietéticos de países mediterrâneos como Itália, Espanha, Grécia e Portugal, e ao longo dos anos vem conquistando consumidores ao redor do globo. Mas a construção e a destruição de mitos fazem parte da rota da azeitona do Mediterrâneo ao mundo. Azeite previne doenças cardíacas? Podemos esquentar o azeite? Como se proteger das fraudes na composição do azeite? São tantas dúvidas que temos em relação a este óleo que muitas vezes optamos por não consumi-lo.

Na década de 1960, com o início da agricultura industrial, as monoculturas de milho e soja passaram a dominar muitas terras ao redor do mundo, principalmente nos Estados Unidos e na América do Sul. O principal destino do milho e da soja é para a produção de ração animal para alimentar bois, vacas, porcos e galinhas. E um subproduto dessa ração é o óleo refinado. Portanto, com o objetivo de ganhar mercado e maximizar o lucro, a indústria de grãos criou mitos sobre o consumo de azeite e sua utilização culinária para incentivar o consumo de óleos de grãos refinados. A indústria da soja, principalmente, levou os consumidores a acreditar que o óleo de soja é uma alternativa saudável às gorduras saturadas como banha e manteiga e também criou o mito de que aquecer o azeite de oliva o torna extremamente tóxico. Não por acaso, os Estados Unidos, Brasil e Argentina são os principais países produtores de soja e também os maiores consumidores de óleo de soja refinado do mundo.

No entanto, estes óleos refinados passam por um processo de industrialização (prensagem aquecida, banho de solvente químico, degomagem, neutralização, branqueamento, desodorização) que os tornam inflamatórios e tóxicos quando aquecidos. Um estudo mostrou que, quando submetidos ao calor, os óleos refinados produzem substâncias chamadas aldeídos. Os aldeídos, quando consumidos ou inalados mesmo em pequenas quantidades, são associados ao aumento do risco de doenças cardíacas e câncer. Óleos ricos em gorduras saturadas e monoinsaturadas são os melhores óleos para serem submetidos ao calor, pois são mais resistentes à oxidação do que os ácidos graxos poli-insaturados encontrados em grandes quantidades nos óleos de milho, soja e canola, por exemplo. O azeite de oliva é cerca de 76% monoinsaturado, 14% saturado e apenas 10% poli-insaturado, portanto, uma boa opção para cozinhar.

O azeite virgem e extra virgem são óleos prensados a frio (pense como um suco fresco de azeitona), que carregam todos os benefícios nutricionais da azeitona, como vitamina E, e diversos antioxidantes. A vitamina E, os antioxidantes, principalmente o betacaroteno e seus ácidos graxos monoinsaturados protegem o azeite de se tornar rançoso, saturado e oxidado durante o processo de cozimento e frituras a temperatura de 170ºC. Não à toa que a dieta mediterrânea regada ao azeite (de saladas à frituras) é considerada, há anos, como uma dieta/cultura alimentar saudável.

Azeite é saboroso e nutritivo. E quem quiser experimentar uma receita inusitada de bolo de chocolate com azeite, por favor, se sirva:

Bolo de chocolate com azeite

Ingredientes Bolo

2 xícaras de farinha de trigo

½ xícara de cacau em pó (sem adição de açúcar)

1 xícara de açúcar mascavo

1 colher de sopa rasa de fermento em pó

1 pitada de sal marinho

1 colher de café de canela

½ xicara de azeite

1 colher de café de vinagre de maçã

Modo de preparo

  1. Pré-aqueça o forno à 180ºC
  2. Unte duas formas redondas de 23 cm
  3. Misture numa tigela as farinhas, cacau, fermento, açúcar mascavo, sal e canela
  4. Em outro recipiente misture bem o óleo, azeite, vinagre e água
  5. Misture lentamente com uma colher de pau os ingredientes líquidos ao secos
  6. Divida a massa igualmente entre as duas formas e coloque no forno para assar por 35 minutos. Não abra o forno nos primeiros 30 minutos para o bolo não solar
  7. Retire do forno e deixe amornar antes de desenformar

Fonte: https://www.uol.com.br/ecoa/colunas/bela-gil/2020/10/07/o-mito-do-azeite.htm

 

Simplesmente Bela – mais beleza e leveza

Meus últimos textos aqui da coluna estavam um pouco carregados daquela raiva que comentei ser um combustível para eu continuar a acreditar e exercer o meu trabalho. Não quero me deixar levar pela desesperança, mas também cansei de sentir tanta raiva das injustiças, desigualdades e do caos que estamos vivendo. A leveza e a beleza são muito necessárias, e é carregada por elas que vou ao encontro do meu centro.

Então, hoje, decidi falar sobre o meu sexto livro, que traz mensagens e práticas de carinho, cuidado e amor com o nosso corpo e a nossa casa – a casa sendo o nosso espaço privado, mas também o planeta Terra, como nosso lar.

Terminei de escrever o livro no finalzinho de 2019, e ele estava quase pronto quando o novo coronavírus atingiu o nosso território e a nossa gente. Ao longo das semanas, percebi um movimento de pessoas querendo se cuidar mais, cozinhar mais, cuidar mais da casa e dos filhos, ou seja, tudo aquilo que o livro indicava. Tinha certeza que as receitas do livro poderiam ajudar muitos nessa transição para uma vida mais simples e cheia de propósito.

Corremos com a finalização do livro e conseguimos lançar agora em setembro. O livro foi lançado dia 17 de setembro, dia do aniversario da minha filha Flor, que completou 12 anos. Inclusive, o livro é dedicado aos meus filhos e seus companheiros de geração. Pois espero que eles possam ampliar os ensinamentos passados para cultivar um futuro mais harmônico com a natureza.

É muito bom saber que temos uma geração inteira de seres humaninhos que podem melhorar a vida aqui na Terra. Quando engravidei da Flor, li uma frase do grande poeta e pensador Rabindranath Tagore que dizia: “Cada criança que nasce é uma prova de que Deus ainda não perdeu as esperanças na humanidade.

Um alento para quem vai colocar um filho no mundo!

Vivemos em um mundo cada vez mais complexo, e algo dentro de nós pede calma e simplicidade. E nada mais simples do que dedicar um tempo ao trabalho do CUIDAR. Cuidar de si, dos outros e do planeta. Dedicar um tempo a esse trabalho fundamental para a prosperidade da vida humana na terra. Pois sem o cozinhar, limpar, curar e cuidar, a humanidade não vingaria. E o livro é dedicado exatamente a esse processo. Tem receitas de repelente de insetos caseiro, desodorante, pasta de dente, spray para limpeza da cozinha, granola rápida de frigideira, moqueca e muito mais. Tudo isso com componentes naturais e fáceis de encontrar.

Quase todo mundo tem algo que gostaria de melhorar na sua vida, seja na alimentação, na forma de se relacionar com as pessoas, na maneira de educar os filhos, na relação com o meio ambiente ou em vários outros aspectos. E muitos até já sabem o que fazer ou deixar de fazer, só que o ritmo frenético da vida nos engole e nos impede de colocar em prática essas mudanças.

Mas agora, durante a quarentena, nós nos vimos forçados a entender de uma vez por todas o que realmente importa. Portanto, este livro é um convite para largar hábitos prejudiciais e acolher novas práticas positivas para a sua vida. É hora de olhar para dentro, olhar para o outro, valorizar os verdadeiros heróis, ressignificar o valor da natureza e lembrar que fazemos parte dela.

A hora é agora!

Basta uma oportunidade para que a natureza revele o seu potencial, e espero que este livro seja a oportunidade que faltava para você se tornar a sua melhor versão.

Fonte: https://www.uol.com.br/ecoa/colunas/bela-gil/2020/09/23/simplesmente-bela—mais-beleza-e-leveza.htm

Biodiversidade como igualdade

Diversidade, representatividade e equidade estão em voga e fico muito feliz de poder participar desses debates em prol da justiça e do bem-estar social.

Em pleno século 21, ainda há uma grande disparidade na oferta de oportunidades de trabalho para diferentes sexos, raças, orientações sexuais, identidades de gênero e outros grupos minoritários. Isso torna constante a pauta de discussões, reflexões e ações para mudar essa situação no ambiente corporativo. Cada vez mais, estratégias e programas estão sendo criados dentro das empresas para recrutar e reter talentos diversos. Essa é uma estratégia para oferecer maiores oportunidades de ingresso ao mercado de trabalho a grupos historicamente discriminados.

Esta passagem acima é de um texto de um site de RH que achei aleatoriamente na internet, porém me fez refletir sobre os nossos hábitos enquanto sociedade que muitas vezes replica e perpetua atitudes da supremacia branca que ainda reina entre nós.

Vocês já pararam para pensar que podemos e devemos trabalhar a diversidade em muitas esferas da nossa sociedade para além do questão de raça e gênero? Diversidade não se deve aplicar somente ao ambiente de trabalho, cultura e política, pois a falta de biodiversidade na nossa alimentação também causas muitos danos socioambientais.

Conhecer e consumir alimentos da biodiversidade brasileira é uma forma de apoiar os povos tradicionais que vivem da produção ou colheita desses alimentos e ajudar na ingressão ao mercado. O coco babaçu das quebradeiras do maranhão, as castanhas dos extrativistas na Amazônia, a baunilha dos quilombolas de Goiás, a pimenta dos povos Baniwa, e tantos outros alimentos nos conectam diretamente com esses povos, dando mais oportunidade para que eles possam exercer seus ofícios e permanecer tranquilamente no seu território.

Consumir esses alimentos é também uma forma de conservar a floresta, o Cerrado, a Caatinga e todos os biomas do Brasil em pé. É uma maneira de consumir os diferentes nutrientes e fitoquímicos necessários para a preservação da nossa saúde física e alimentar o leque cultural tão rico e importante na nossa sociedade. Conhecer a história desses alimentos e de seus povos é uma linda forma de se conectar com o Brasil mais profundo. Uma deliciosa maneira de descolonizar o nosso prato!

A diversidade racial, sexual, de identidades de gênero são importantes para uma vida mais harmônica, saudável e divertida. O respeito e a prática da diversidade como programas de inclusão são fundamentais para a sobrevivência das minorias. Assim como a diversidade alimentar é fundamental para a sobrevivência da fauna e da flora, e consequentemente essencial à humanidade.

Não à toa faço questão de trabalhar com o que para mim já foi só mais um ingrediente culinário fantástico para criar texturas, sabores e cores incríveis no prato. Mas como logo entendi o poder transformador dos alimentos, dei cada vez mais importância à diversidade alimentar construída com alimentos da biodiversidade brasileira e com as plantas alimentícias não convencionais. Cozinhar com esses alimentos que muitos julgam esquisitos e justificavelmente difíceis de achar por conta do nosso sistema agroalimentar industrial é uma forma de resistir e lutar pela diversidade cultural e ambiental da nossa nação.

Recentemente testemunhamos a triste morte do menino Miguel que nos mostra como a herança escravista da sinhá contemporânea continua a caracterizar o racismo no Brasil. E a fome que assola as crianças pobres e pretas também mostra a herança da hegemonia latifundiária na produção de alimentos.

O Brasil se fez através de exploração da terra, dos negros e dos povos originários criando acúmulos e riquezas para poucos homens brancos. Os latifúndios de cana, café e algodão sempre fizeram parte da nossa história e hoje se perpetuam sob as lentes do agronegócio.

Substituir uma caixa de cereal matinal ultraprocessado feito com milho transgênico por um cuscuz de milho crioulo é um ato de resistência. É claro que não são todos que podem fazer do alimento a sua luta, mas do mesmo jeito que alguém que está numa posição de poder numa empresa deve se atentar à diversidade racial dos seus funcionários, quem tem conhecimento e oportunidade para diversificar a dieta também deve fazê-lo. Esse é um dos caminhos para a democratização da verdadeira alimentação saudável.

Muitos me pedem dicas de como ter uma alimentação mais saudável, mais equilibrada, mais sustentável. A resposta não está no alimento x ou y, ou num nutriente específico somente, mas na criação de uma cultura de aceitação da diversidade alimentar. E isso começa ainda na nossa primeira infância. Crianças que conhecem e saboreiam alimentos da nossa biodiversidade vão crescer querendo consumi-los e protegê-los.

Fonte: https://www.uol.com.br/ecoa/colunas/bela-gil/2020/09/09/biodiversidade-como-igualdade.htm

 

Agrofloresta e o caminho da felicidade

Agroflorestar em meio à pandemia é sofrer da dualidade dos sentimentos, é sentir o mistério da consciência se materializar em angústia. Digo isso porque implementar uma agrofloresta e produzir parte dos alimentos que consumo sempre foi uma grande vontade pessoal, mas fazer isso num momento no qual muitos estão passando fome e milhares de entes amáveis estão morrendo é desafiador. Acredito que o mesmo deva acontecer com mulheres grávidas e casais recém-apaixonados. Como podemos estar felizes em meio a esse caos? Estar feliz nesse momento é um ato de egoísmo? Mas estar feliz em qualquer momento desta vida também não seria egoísmo sabendo que muitos ainda sofrem? Me acalmo quando penso que ser feliz faz parte, faz bem e transforma a raiva e a angústia do privilégio em Agrofloresta e o caminho da felicidade Bela Gil transformou o campo de futebol da casa dos pais em Petrópolis em uma agrofloresta combustível para fazermos o nosso melhor, para lutar contra as desigualdades e construir um ambiente mais justo e saudável. Ser feliz vale muito a pena, quando não nos acomodamos.

Poderia divagar aqui sobre felicidade, privilégios e os altos e baixos desta pandemia, mas quero contar sobre a nossa agroflorestal.

Um dia, jantando com meus pais, na casa deles em Petrópolis, na serra fluminense, minha mãe estava reclamando do estresse que é tomar conta de casa (alô para aqueles que acham que quem cuida da casa e/ou dos filhos, não faz nada). No caso da minha mãe, além de todo o trabalho que ela já desempenha fora de casa, gerenciando a carreira do meu pai, tomando conta de um escritório e dezenas de funcionários, também precisa dar conta do lixo do jardim da casa e do campo de futebol que está sendo invadido por bambus. Ela explicou que o lixo era incinerado por ordem do condomínio, mas não estava confortável com a fumaça que isso gerava, e perguntou: será que não tem outro jeito?

Eu fiquei em choque quando soube que toda aquela matéria orgânica do jardim tinha que ser queimada e expliquei as vantagens de criar uma composteira. Sua reação seguinte foi: “tá, mas onde vamos colocar tudo que for gerado na composteira?” Sem hesitar indaguei: “então que tal transformar o campo de futebol em uma agrofloresta? Isso pode ajudar a conter o bambu e dar um belo fim à matéria orgânica residual da cozinha e do jardim.”

Todos na família concordaram, mas meu pai se antecipou e saiu em defesa do neto amante do futebol, e pediu que mudássemos o campo de futebol de lugar. Ele seria 10 vezes menor, mas pelo menos não deixaria de existir.

Negócio fechado!!!

Em seguida, liguei para meu amigo e grande agrofloresteiro Namastê Messerschmidt para me ajudar com o novo trabalho, uma nova empreitada e, ao mesmo tempo, a realização do sonho de poder produzir parte dos nossos alimentos num sistema que acredito ser o mais harmônico com a própria natureza.

A agrofloresta, ou sistema agroflorestal (SAF), é um conjunto de técnicas que reúne agricultura, preservação e regeneração. O sistema usa a dinâmica de sucessão de espécies da flora nativa para trazer as espécies que agregam benefícios para o terreno, assim como produtos para o agricultor. A agrofloresta recupera antigas técnicas de povos tradicionais de várias partes do mundo, unindo a elas o conhecimento científico acumulado sobre a ecofisiologia das espécies vegetais, e sua interação com a fauna nativa. Ou seja, como diz o meu amigo Namastê, é a agricultura da paz.

Depois de retirar a grama do campo, tivemos que descompactar o solo com a ajuda de uma tobata (micro trator) e salpicamos um pouquinho de calcário para recuperar o pH do solo, torná-lo um pouco mais alcalino. No dia seguinte, fizemos os 18 canteiros onde entrariam as mudas, sementes e todas as plantas que decidimos cultivar. Preparamos as mudas de bananeira, abrimos todos os berços (ou covas) e plantamos todas as árvores e raízes primeiro, pois elas fazem mais bagunça. No outro dia, colocamos esterco e cama de cavalo (uma mistura de fezes de cavalo com serragem) em cima de todos os canteiros — o esterco é para nutrição e cama de cavalo, para a cobertura de solo, dois princípios fundamentais na agrofloresta. Nos dois últimos dias, plantamos todas as mudinhas de hortaliças e as sementes de milho, arroz e feijão, e cobrimos todos os caminhos entre os canteiros com poda de árvores e bananeiras. Ficou lindo demais!!!

Foram cinco dias de muito trabalho, muita enxada, muito sol na cabeça, mas tudo regado a muito amor, paz e principalmente felicidade. Agora, é deixar a natureza fazer o seu papel com muito cuidado e amparo do nosso lado para colhermos os frutos da felicidade.

Fonte: https://www.uol.com.br/ecoa/colunas/bela-gil/2020/08/26/agrofloresta-e-o-caminho-da-felicidade.htm

 

Café: uma ferramenta de trabalho

Nunca fui de tomar café, sempre preferi o chá desde criança. Apesar de gostar do cheirinho de café passado na hora, o cheiro de café na boca das pessoas logo de manhã me dava um pouco de agonia. Na adolescência, adotei o consumo do chá verde, muito influenciada pelos meus pais que sempre curtiram os chás digestivos e medicinais. Cresci tomando chá de carqueja, habú, folha de goiabeira, folha de pitangueira, artemísia, erva doce, boldo e tantas outras plantas que faziam parte dos tratamentos de diferentes sintomas de mal estar.

No começo da vida adulta, morando em Nova York, assistia com curiosidade aos colegas de faculdade, às amigas e aos nova-iorquinos em geral agarrados com seus copos de café pelo campus da universidade, nas mesas dos restaurantes e pelas ruas movimentadas da cidade que é definitivamente movida a cafeína. Aos poucos fui me interessando pelo café, não pelo seu poder psicoativo de alertar e dar energia a seus consumidores, mas pela curiosidade de saber porque existiam tantos selos e marcas que defendiam um café mais sustentável e socialmente justo. Neste momento decidi me dedicar a compreender toda a cadeia produtiva dos alimentos que consumia.

Em 2015, gravando o programa Bela Cozinha, me vi sentada no camarim muito cansada e contemplando uma garrafa térmica de café. Pensei, será que o café me ajudaria nesse momento? Fui até a mesinha e me servi de uma pequena xícara de café, um café qualquer, sem saber a procedência e muito menos onde ele poderia me levar naquela tarde. Em 15 minutos o meu coração começou a disparar, comecei a sentir uma agitação fora do comum e uma euforia que me Cafés deixam a concorrência de lado e criam coletivo para vencer a crise Marca de cosméticos sustentáveis no Alemão triplica vendas na pandemia Caixinhas de suco viram “bicicletas verdes” que serão doadas para ONGs  TOPO BELA GIL ajudou a fazer um programa fluido, alegre e focado. Nota 10 pro café até então. Só não sabia que à noite não conseguiria dormir, ainda sentindo o coração bater fortemente. Finalmente às 4h da manha consegui pregar o olho e adormecer.

Definitivamente, o café me agita, me tira o sono e me dá palpitação. Seu efeito energético vem acompanhado de efeitos colaterais não tão agradáveis. Todavia, desde 2015 venho tomando café esporadicamente e me ajustando a sua potencialidade. Uso café como uma solução para os dias nos quais a preguiça não pode se dar ao luxo de me dominar. Mas também tomo café para acompanhar um pedaço de bolo especial, durante viagens para ajustar o fuso horário e às vezes antes de me exercitar. Não tenho regra, posso tomar café por dias seguidos, e ficar sem por semanas a fio.

Esta saga pelo equilíbrio perfeito do café na minha vida me deixou curiosa sobre essa substancia tão amada e amplamente consumida no mundo, a cafeína. Por que eu conseguia consumir xícaras de chá verde diariamente, inclusive antes de me deitar, e dormir profundamente, enquanto uma xícara de café após o meio-dia só me deixaria dormir de madrugada?

O café, assim como o chá verde (camélia sinensis), chocolate e guaraná contém cafeína. Porém a ciência aponta que ela não é necessariamente absorvida da mesma forma em todos os alimentos.

No caso do café, a absorção da cafeína no intestino acontece de forma rápida e completa, atingindo o pico médio de concentração no sangue entre 15 minutos a 2 horas após a ingestão. O principal efeito da cafeína acontece no cérebro, bloqueando os efeitos de um neurotransmissor chamado adenosina, que relaxa o cérebro e nos faz sentirmos cansados. Normalmente os níveis de adenosina vão aumentando ao longo do dia, junto com a sensação de cansaço e a vontade de dormir. Portando, ao ingerirmos café, a cafeína se conecta aos receptores de adenosina no cérebro, bloqueando o seu efeito e consequentemente nos deixando mais alertas e com mais energia.

No caso do chá verde, por conter polifenois, antioxidantes e aminoacidos como os taninos, as catequinas e L-teanina, pode ser que a cafeína seja absorvida mais lentamente e liberada de forma gradual na corrente sanguínea. Estas são algumas hipóteses que a ciência aponta para diferenciar a ação da cafeína no organismo proveniente do café e do chá. Se depender de mim, meu corpo comprova essa teoria.

Ademais, continuo preferindo chás do que café, no entanto descobri um santo remédio para os dias de trabalho nos quais a cama insiste em me segurar.

A curiosidade do público enchia a minha caixa de e-mail e redes sociais com perguntas sobre o café, já que pouquíssimas vezes falei sobre ele em meus programas de culinária. Um dia me debruçarei sobre esse fruto mundialmente conhecido e farei um programa sobre café.

Fonte:  https://www.uol.com.br/ecoa/colunas/bela-gil/2020/08/12/cafe-uma-ferramenta-de-trabalho.htm