Hoje, o texto não é meu, e sim da minha amiga, irmã, comadre, amor da vida inteira que finalmente se abriu para experimentar as mudanças e transformações de uma alimentação saudável.

A Ana sempre sofreu muito com alergias, asma, rinite e também sempre soube que o leite e seus derivados não a faziam bem e agravavam seus sintomas. Porém, mesmo sabendo disso, ela continuava a se deliciar com os chocolates ao leite, sorvetes, iogurtes, queijos, tudo que ela adora. Até que algumas semanas atrás ela resolveu enfrentar a sua alergia, o seu temor da vida sem leite e dessa vez sem nada de remédios.

Para a nossa (minha e dela) surpresa e felicidade, ela seguiu a risca as minhas orientações e se surpreendeu com os resultados. Esses estão relatados no texto abaixo que ela escreveu para mim via e-mail.

"Hoje faz exatamente uma semana que comecei a fazer sério o que me passou, obedecendo as suas restrições e principalmente, estou sem lactose alguma. Mais do que querer, é meu dever passar esse relato pra você.

Bela, é incrível - e um pouco inexplicável - essa mudança. Estou me sentindo muito mais leve, calma (isso é tão evidente, ainda mais nessa semana que passou que além de caos emocional, teve período menstrual e trabalho puxado), menos ansiosa e mais disposta. O mais perceptível: menos entupida nas vias respiratórias o que significa menos lencinhos de nariz jogados por todos os cantos. O mais legal é ver que o que mudou não demorou para aparecer, só se passaram 7 dias e eu já vejo e, sobretudo, sinto a diferença.

Passei a ter outra relação com a comida. Coincidentemente nessa semana que meu pai foi internado, eu fiquei responsável pelo que eu comia e foi maravilhoso fazer todo o processo: desde ir ao Hortifruti e lojinhas naturais, a escolha dos alimentos, ao modo de preparo, até a refeição de fato. Em Moçambique cheguei a fazer isso durante meus meses de estadia lá, mas não com a mesma consciência de hoje, e óbvio, menos opções de hoje. Talvez porque lá era muito mais um "pra me alimentar / matar a fome" do que o ato de comer com/para saúde. É EXTREMAMENTE necessário fazer todo esse processo: escolher o alimento, olhar (e não só ver), tocar, sentir o cheiro e a textura, saber a medida da compra para não levar ao desperdício, separar cada receita no dia e diversificar as cores e sabores diariamente. Me levou a várias constatações:

A primeira foi perceber o quão somos distantes das nossas alimentações quando não realizamos esse processo e isso por si só desencadeia uma espécie de avalanche alimentar errônea. Se você só come o que está na sua frente você se submete a comer "qualquer coisa" pelo simples fato de ter que encher a barriga. Nossa classe/era/geração (ou qualquer outro nome que classifique) esteve e está acostumado a ter pessoas responsáveis pela sua comida, seja emprega, seja pais, seja o próprio restaurante do dia a dia. E você simplesmente não sabe o que está comendo, não sabe o tempero, não sabe o que leva e nem como foi preparado. Daí você come e não entende a relação que aquilo ali tem com você a não ser por ser sua refeição e dane-se se leva coentro ou manjericão, margarina ou óleo, pimenta ou pimentão, e a lógica acaba sendo "tanto faz, se o sabor é bom, tá valendo". Nessa semana em que decidi, ajudei a preparar e levei comigo minha comida, eu não só sabia exatamente o que eu comia, como eu passei a comer mais devagar mudando minha relação com a comida - valorizei tudo o que estava ali. Talvez seja por isso que não precisei tanto do lanche da tarde e tampouco senti tanta fome. Em última análise: os alimentos de fato me alimentavam com o peso nutricional de cada um.

A segunda constatação: você muda a relação com o seu corpo. Passa a entender, a escutar e a senti-lo. A hora da fome, a hora da gula, a hora da "calma, você não precisa disso", a hora do "isso não me cai tão bem", a hora do "preciso mais disso". No nosso mundinho corrido internético instagramado, o corpo vira objeto de consumo e desejo e esquecemos que ele é o nosso meio e não o nosso fim. Emagreci 3kg mas não porque quero um projeto verão, e sim porque meu corpo não precisa desses quilos a mais que estavam nele. Tirando a poesia e indo para a prática: comer saudável e saber comer é sobretudo ter outra relação com o que o seu corpo - entender o que ele quer e precisa. E isso significa começar a rechaçar o que não te faz bem - a cervejinha não teve vez, o chocolate da banca de jornal não foi comprado e o queijo não foi comido. A barriga desinchou e a balança contou 57,5kg.

Por terceiro (e faço dessa a última porque hoje é segunda e tenho que começar a rotina) é que seus desejos e prazeres caem por terra É bizarro e dá até certa raiva saber que até "ontem"  - espero - fui escrava de uma indústria açucareira lactoseana (liberdade poética) e não da hortinha da senhorinha fulana de tal ou da fazenda de cacau do senhor ciclano. Você acredita piamente que quer algo porque deseja aquilo até entender que aquilo ali não te faz bem. E o entendimento só vem com a negação radical  - tipo o que você fez pra mim na lista negra do que eu devo evitar. Só quando você realmente evita é que você entende - o seu corpo entende - que não precisa daquilo e que aquilo não vai te dar o prazer que você acha que te daria. Resultado: a partir do começo da mudança seus prazeres mudam e seus vícios também.

Sei que ainda tenho muito o que mudar e readaptar, mas a diferença já é evidente. Minhas próximas etapas são: fazer feira orgânica (ainda não fui em nenhuma pra fazer compras!), cozinhar e diversificar mais.

Obrigada. Muito obrigada por esse recomeço e por ter tido a paciência da insistência. Vale a pena e vale o relato.

Te amo,

Ana Lycia

obs1: fazer todo o processo do leite de amêndoa faz sentido agora, você não "take for granted" e me ajudou a valorizar ainda mais os alimentos e suas transformações."